Bye bye Lula?
A revista francesa Causeur acabou de publicar um texto onde comento a recente condenação do Lula, não para denunciar mais uma vez a corrupção, mas para tentar situar Lula dentro da história política brasileira. Sendo o texto em francês, aproveito essas linhas para lhes dar um resumo dos seus pontos chaves.
OBS: a versão original em francês está acessível aqui: https://www.causeur.fr/lula-bresil-prison-presidentielle-corruption-149354
Em qualquer país de mundo, receber uma sentença de doze anos de prisão significa a morte política do réu. Menos no Brasil.
Na Praça da República, dia 24 de janeiro, Lula deu um show de irreverencia em relação ao poder judiciário e a imprensa que acusou de serem auxiliares das oligarquias.
O Lula representa um fenômeno politico excepcional porque ele é a alma de um certo povo brasileiro, ele incarna um sentimento e um modo de pensar compartilhado por milhões de brasileiros. Nesse sentido, ele joga na liga dos gigantes como Getúlio Varga, esse se suicidou em 1954 ao denunciar uma conspiração das elites nacionais aliadas à interesses estrangeiros contra o trabalhador brasileiro (não muito longe do que Lula declarou dia 24 de janeiro).
Os adversários do Lula cometeram um erro grave de estratégia ao pedir aos juízes acabar com o ex-presidente. O sistema judicial brasileiro não foi feito para isso porque ele simplesmente não foi idealizado para “funcionar”. Pragado com brechas e voltado para os interesses do réu, ele tem um grande apetite para surpresas jurídicas e costuma abrigar duelos entre egos potentes.
A estratégia certa teria sido tirar do Lula o monopólio dos bons sentimentos e da justiça social. Enquanto ele chama seus adversarios de “inimigos do povo” , eles deveriam ter lembrado ao ex-presidente que 50% dos brasileiros não têm esgoto básico (depois de 15 anos de PT no poder) e que a educação está em colapso. Dito de outra maneira: fazer politica travando batalha de ideias em vez de usar liminares e recursos suspensivos.
Lula, no fundo, já ganhou: ele vai determinar o nome do candidato da esquerda e quem sabe do vencedor do pleito previsto em outubro. Vitoria limitado ao meu ver porque Lula nunca vai entrar na Historia pela grande porta. Perdeu, faz tempo, a chance de ser um Mandela latino ou um Obama brasileiro. Quando saiu do Planalto resolveu mergulhar no pantanal nojento da pequena politicagem (a famosa “articulação”) em vez de pensar grande. Poderia ter virado embaixador de uma grande Causa. A tragédia do Lula é que ele não se projetou no cenário internacional, escolheu São Bernardo do Campo em vez de alvejar NY e Paris. Não faltaram Causas nobres e universais prestes a aceitar o Lula como porta-voz: inventar um novo sindicalismo na era da globalização e da inteligência artificial; defender o meio ambiente começando pela biodiversidade; promover a tolerância religiosa; ou meramente intermediar o processo de paz colombiano (entregue numa bandeja de prata aos Cubanos que ficaram com a Gloria de ter ajudado a terminar uma guerra civil de 50 anos).
O maior perdedor é o Brasil, um país novo que entrega seu futuro (alguns diriam sua renovação política) a um político velho e condenado pela justiça. Mas será que o Brasil é um país novo mesmo? Duvido. De fato, somos um país novo que nasceu velho e esgotado tamanha era sua vocação: implantar nos trópicos a civilização mediterrânea. Missão gigantesca que nos esmagou de antemão! Aqui, primeiro os Ibéricos e depois os Italianos do Sul encontraram os recursos e os espaços que sempre faltaram no Mediterrâneo. Desde o início, nossa missão foi realizar a “mudança” (de corpos, bens e Mentalidades) de uma civilização atrasada e desqualificada pela pujança do Atlântico. Desde o fim do século XVI, o Atlântico significa Modernidade e Capitalismo graças ao Liberalismo anglo-saxão e a Reforma protestante. A ironia é cruel: com duras penas o Portugal e a Espanha se juntaram ao mundo ocidental “legitimo” (a Europa da França e da Alemanha por falar de maneira superficial) enquanto nos quedamos com um pé na Idade Média. O Brasil infelizmente é uma ilha mediterrânea que vive isolada do ritmo glorioso do Atlântico, matriz do Progresso até o século XX. Somos uma ilha rodeada por desertos verdes (Amazônia), barreiras montanhosas (os Andes) e vazios líquidos (o próprio Atlântico que mais nos afasta do que nos acerca dos grandes caminhos da prosperidade). No nosso cantinho do mundo, estamos a prorrogar os valores políticos da Sicília e da Síria, bem escondidos da luz que irradia dos focos de civilização norte-americanos e oeste-europeus. Pense-se no fim da imigração de povoamento, um fato consumado desde os anos 1940, e no seu impacto negativo nos âmbitos científicos e culturais. Por uma decisão burocrática, o país se privou da nata da civilização europeia, aquela quem ajudou a fundar a USP e escreveu as horas gloriosas da arquitetura brasileira Um exemplo entre milhares de casos: Higienópolis com seus prédios inovadores e eternamente atraentes foi uma invenção judia, construído por arquitetos e decoradores poloneses, alemães e italianos que fugiram do nazismo.
Brasil acredita que é livre e soberano. Grande erro. Estamos simplesmente vivendo a vida dos outros, dos nossos irmãos de leite os sicilianos, os napolitanos e os libaneses. Bebemos na mesma fonte viciada: tolerância a corrupção, fraqueza da administração pública sempre em concorrência com organizações privadas (da família grande ao senhor feudal a fação criminosa), uma violência ordinária e quotidiana entre as pessoas que lembra a fase mais escura e deprimente da Idade Média. Como ainda experimentamos a lógica histórica da Velha Europa, compartilhamos com ela a repetição permanente dos erros e dos logros. O que é a economia brasileira senão um ciclo constante de booms mirabolantes seguidos de depressões severas que jogam agua para baixo o progresso acumulado antes de que tudo recomece como se nada tivesse acontecido?
Lula considera-se talvez como salvador da pátria ou homem providencial. No fundo, ele é nada mais do que uma marola num oceano imóvel e frio chamado historia das mentalidades brasileiras. Dependendo da época do ano e do bom desejar dos ventos, ele favorece tal nave ou afunda outra.
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